sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Insónia

Minha pele derramou
o Sono no negrume
de uma noite inerte
que logo o devorou.

E eu abandonado ao queixume
do dia que nada reverte.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Ilhéus VIII - O tanque

Um poema
Regou-me a memória.

Ah, saudoso fantasma!
O portão de madeira dá para o carreiro de bagacina;
Passo a ameixoeira e a loja da velha casa,
Mas é ante a abertura do tanque que esta visão pasma,
E eu, nela empoleirado, à água escura jogo a minha mão pequenina.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sem título

Meu porto de abrigo, meu farol,
Perdoa-me as vezes que renunciei à tua luz,
Queimado da dor exigente que é a do amor.
Mas fica sabendo que agora rojo a cruz
De ter desejado noutro céu tão falso arrebol.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Fragmentum X

L'esprit, la source de ces humains trésors;
Noire l'encre pour les faire prendre essor.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ilhéus VII - Garras

Mais fundo se enterram as garras da minha insularidade,
Nestas horas embebidas em melancolia;
E minh'alma túrgida de saudade
Só nas ilhas, ao longe, espera novo dia.

Ilhéus VI - 25

Nos meus olhos de terra havia o azul
Do mar que lambe a ilha a sul;
Neles entrou por não se cansarem de buscar
O sonho infante que ali deixei afundar.

domingo, 1 de novembro de 2009

Fragmentum IX - Les étangs

De tes yeux je fais des étangs où mon âme farouche assouvit sa soif meurtrière.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Fragmentum VIII - Cemitério

Da janela, onde por vezes me quedo sozinho na fachada erma, não vejo morte; vejo apenas a dor dos vivos plasmada em lápides e mausoléus. Uma dor apaziguada, que me enternece no ar do entardecer, perfumado por flores e ciprestes docemente tristes.

sábado, 17 de outubro de 2009

Le temps perdu

Talvez um dia olhe para dentro e saiba ver. Talvez então regresse ao mar das ilhas, aquele que banhou a minha infância e só existe dentro de mim, e nele encontre, ainda boiando, um ovo nemesiano a custo contendo a câmara magmática que é fonte pungente dos meus medos e angústias originais. Talvez um dia recupere em algumas páginas esse tempo perdido.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Fragmentum VII - Sementes aladas

(...) voláteis, como sementes aladas, milagres darwinianos, que, levadas por um vento decidido, sempre ansiassem por germinar noutro qualquer lugar diferente daquele em que foram generosamente depositadas.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ilhéus V - Longing

May i breathe anon the thick moist air ever wreathing the islands of undying green, ere my soul is shattered by the engulfing turmoil of the city where the sunlight, shining much too bright, abuses my senses.

domingo, 30 de agosto de 2009

Ilhéus IV - Le trou

Que cherche-t-il dans ce trou,
Quand le coeur triste devient vilain caillou?
Tous ces erreurs alourdissent son corps:
Il fallait d'abord se tenir debout.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Lamento continental de um ilhéu.

Em areais de finisterra - sol de Agosto ardente -
lá onde o Tejo espraia sua foz urbana,
e a ampla arriba encara o astro cadente,
inclino-me sobre a verde onda, banhando a turba humana;

Em terras do Austro, terra ruiva e olente,
manancial da porção do meu sangue arcana,
lá onde o Arade lodoso se lança indolente,
na verde onda despejo minh'alma que da saudade emana.

À verde onda imploro que célere a conduza
ao oceano azul, onde na bruma mora a musa
das ilhas encobertas que forjaram o meu Ser.

Nas veias mortificadas já se vai secando a lava,
e fenece a urze que na pele as suas raízes crava,
até que de novo à terra negra minh'alma vá beber.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Baudelaire

Quando me visitam os demónios da noite funda
C'est le Satan de tes litanies qui me guette dans l'ombre!
Da pele escorrem-me córregos de minh'alma moribunda,
Quand m'oppresse la cadence de ton horloge, ô poète sombre!

domingo, 12 de julho de 2009

Fragmentum VI

Les jours sont maussades dans cette chambre où mon âme s'éparpille. Malgré l'été qui brûle dehors, un éternel hiver habite dedans.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Verba aliena IX - Sensualidade


Ah, que melhor alcaiota que a noite! Todos os demónios da sensualidade saíram à uma dos seus tugúrios, do céu, do inferno, da alma e da carne, e reforçaram o seu poder abismal.

Aquilino Ribeiro, in A Casa Grande de Romarigães

terça-feira, 30 de junho de 2009

Fragmentum V

Relembro ainda do Alentejo
aquele intenso arrebol.
No horizonte onde nasce o Tejo,
derramava seu sangue o sol.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

À un gentil belge

Le long de la Sambre, comme dans un tableau verdoyant,
On causait sous un tiède soleil printanier
Moi, de mon français si souvent hésitant,
Toi, avec cette gentillesse qui m'a toujours tant rassuré!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Estilhaços de um dia

Manhã de Séneca, tradução insatisfatória, espondeus e créticos ciceronianos, hexâmetros renascentistas. Telefonema de uma mãe que chora e a onerosa obrigação do sangue. Um homem morto, coberto por rendilhados brancos, ouvindo conversas temperadas de lágrimas, palavras fracassadas de consolação, e o cheiro ao mofo sagrado. O meu dever, dizem-me. Desencontros e beijos de partida desejando ficar. No rio inundado pela noite, derramo o dia. O meu dever, dizem-me. Mas não mo dizem. Sou eu, sempre eu. Adormecer, por fim.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Pequena memória insular

- Aqui-d'el-rei que aqueles diabos me comem os figos! - gritava minha avó correndo para a varanda, onde agitava a linha que fazia com que chocalhassem as latas estrategicamente dispostas na horta, para afugentar o bando de estorninhos de plumagens metálicas que, em grande algazarra, assediava as duas figueiras carregadas dos frutos doces como mel. Cumprida a sua missão, reinando, logo regressava à cozinha a amanhar os inhames, que ao almoço acompanhariam a linguiça, como eles picarota e sua companheira na travessia do canal para findar ali fritinha em banha de porco derretida na frigideira de minha avó.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

2 anos

Dos meus braços uma vontade silente
de te envolver se desprende desmesurada,
e dos meus lábios, esvoaçando, um beijo fremente
parte ao encontro da tua pele bem amada.

Estagna-se-me a alma no azul olhar inocente,
enquanto o corpo segue a minha mão açodada,
discorrendo sobre o teu peito cedente
ao furor de uma Vénus desbridada.

Envoltos no olente humor amoroso,
exsudado pela mistura de corpos e almas,
cumpre-se o sentimento a custo conquistado;

É que nos agarramos a este amor nem sempre ditoso,
por incompreensão lançado em dolentes chamas.
Mas aos que verdadeiro o têm espera-os um doce fado.

Táim i ngrá leat.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Mots d'autrui VI - Os grotescos

Grotesques

Leurs jambes pour toutes montures,
Pour tous biens l'or de leurs regards,
Par le chemin des aventures
Ils vont haillonneux et hagards.

Le sage, indigné, les harangue;
Le sot plaint ces fous hasardeux;
Les enfants leur tirent la langue
Et les filles se moquent d'eux.

C'est qu'odieux et ridicules,
Et maléfiques en effet,
Ils ont l'air, sur les crépuscules,
D'un mauvais rêve que l'on fait;

C'est que, sur leurs aigres guitares
Crispant la main des libertés,
Ils nasillent des chants bizarres,
Nostalgiques et révoltés;

C'est enfin que dans leurs prunelles
Rit et pleure - fastidieux -
L'amour des choses éternelles,
Des vieux morts et des anciens dieux!

- Donc, allez, vagabonds sans trêves,
Errez, funestes et maudits,
Le long des gouffres et des grèves,
Sous l'oeil fermé des paradis!

La nature à l'homme s'allie
Pour châtier comme il le faut
L'orgueilleuse mélancolie
Qui vous fait marcher le front haut,

Et, vengeant sur vous le blasphème
Des vastes espoirs véhéments,
Meurtrit votre front anathème
Au choc rude des éléments.

Les juins brûlent et les décembres
Gèlent votre chair jusqu'aux os,
Et la fièvre envahit vos membres,
Qui se déchirent aux roseaux.

Tout vous repousse et tout vous navre,
Et quand la mort viendra pour vous,
Maigre et froide, votre cadavre
Sera dédaigné par les loups!

Paul Verlaine

sábado, 6 de junho de 2009

Fragmenta Azorica metrica - I

Terras Oceano in mari olim finxit quidquam numen
nubiferas; nam bruma illas tegit atque occultat.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Ilhéus ΙII - laetum in temporem redire


Ὦ ἀγλαὴ Φύσι με τοῦ καλοῦ μῆτερ δέχου
.

Somente procuro um pouco de sombra
sob o verde sempre viçoso da faia em flor,
entre o contínuo chilrear de alegres pardais
e o esporádico grito estridente do negro melro.
Por leito, o fofo esfagno aromático, suavemente aspergido,
onde um dia, respirando o telúrico silêncio da ilha,
a teu lado me deitei envolvido na perfeição
de um amor sem raias.

domingo, 17 de maio de 2009

Verba Aliena VIII - Sossego

Und ein Weilchen lang lag er ruhig mit schwachem Atem, als erwarte er vielleicht von der völligen Stille die Wiederkehr der wirklichen und selbstverständlichen Verhältnisse.

Franz Kafka, in Die Verwandlung

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O cristal

Quando à minha volta grassam sentimentos vítreos, estilhançando-se no choque da incompreensão, e outros, erguidos sobre o vazio, em betão hipócrita, nédios de egoísmo, corroendo as entranhas dos pobres de espírito, não deverei eu preservar este puro cristal, que dos teus olhos cerúleos se mineralizou no meu coração? Que doce se faz esse sofrimento, contrastado por instantes de felicidade indízivel, ante a opção de uma solidão sem fundo, esvaziada de humanidade; pois se dos destroços da dor se me regenera o espírito em novo ciclo, ao toque ardente da tua pele!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Fragmentum IV

Doucement, il se glissa vers un court sommeil - encore une de cettes petites morts qui mènent à cet indispensable oubli momentané de tout ce qui nous accable - plongé dans une mer émotive de Debussy.

sábado, 9 de maio de 2009

Num postal

Perguntava-me, que escreveria eu num postal a oferecer a um amigo que partia, tendo visitado os Açores pela primeira vez. Apanhado de surpresa, apenas me ocorreu:

Que guardes no coração um pouco de bruma misturada com sol incerto, e no olhar, derramado até ao mar, um pouco de tanto verde cobrindo o basalto negro destas minhas ilhas.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Fragmentum III

My hands rushed across the white plains of his chest, lured by the gushes of his skin's elysian scent, and i feared only lest such love should remain unfulfilled.

sábado, 18 de abril de 2009

Inuenire

Inuentus sum a non quaerentibus me. Sic et ego quem non quaerebat inueni.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Não é poesia

Não é poesia isto que escrevo
Pois se sou indigente na forma;
E a dizer-me poeta não me atrevo
Pois se me é ignota a norma.

Não sou Vergílio, não sou Nemésio;
A mim não me tocou o Génio.
E às palavras traz-me o coração:
Sem ele, em mim, é o engenho vão.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Partida ansiada

Iço velas incorpóreas e rumo às ilhas. Mihi necesse est animam mentemque purgare.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Carta em tradução adaptada.

Se cada vez que o mar se retira for preciso chorar as ondas, como se elas não fossem regressar para lamber as nossas longas praias brancas; se quando os barcos se inclinam, se aconchegam nas algas, os marinheiros acreditarem que vão perecer, então compreendo que as minhas partidas te destrocem. Se sempre que a noite se abate sobre nós, for preciso chorar o entardecer, como se fosse para sempre o fim das claras manhãs e da esperança; se sempre que eu afasto o olhar for preciso que me impeças de mergulhar nas minhas terras de tantas maravilhas, então compreendo que as tuas pálpebras sequem. E mesmo se, na pior das hipóteses, eu um dia permanecesse distante, seria preciso que nos dissessemos que poucos conhecem o que as nossas peles sabem. É que o meu coração sofre de tantas influências...Vê como dançam nos meus pensamentos as estrelas ou a lua, a falésia ou a duna. Afinal, sou apenas o movimento das marés... nada mais que o movimento das marés.

Adaptado do original Le mouvement des marées, de Daran.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Mots d'autrui V - La Débauche

La débauche est certainement un art comme la poésie, et veut des âmes fortes. Pour en saisir les mystères, pour en savourer les beautés, un homme doit en quelque sorte s'adonner à de consciencieuses études. Comme toutes les sciences, elle est d'abord repoussante, épineuse. (...) Mais quand l'homme est monté à l'assaut de ces grands mystères, ne marche-t-il pas dans un monde nouveau? (...) Ces monstruosités sociales possèdent la puissance des abîmes, elle nous attirent comme Sainte-Hélène appelait Napoléon; elles donnent les vertiges, elles fascinent, et nous voulons en voir le fond sans savoir pourquoi.

Honoré de Balzac, in La peau de chagrin

domingo, 1 de março de 2009

Verba Aliena VII - Os maldizentes


y es querer atar las lenguas de los maldicientes lo mesmo que querer poner puertas al campo.


Cervantes, in El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Fragmentum II

Agitava os dedos num suave ondular como se entre eles enovelasse o ar fresco da noite.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Sous le froid perçant de mon tombeau

Lembrar-me-ei das tuas mãos alvas
Sous le froid perçant de mon tombeau
Lembrar-me-ei delas esguias
Sous le froid perçant de mon tombeau
Delas quentes deslizando, ou frias
Sous le froid perçant de mon tombeau
Delas frenéticas sobre mim, ou vagarosas
Hardies sur mon corps gonflé de vie!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

sine arte

Essoutro mundo em que existo, para lá dos espessos sedimentos das minhas aparências - onde, é preciso reconhecê-lo, também Sou - permanecia intraduzível. De que sublimes prodígios literários seria capaz, não fosse o meu domínio da linguagem humana assaz insuficiente para povoar de palavras, arrumadas em belas frases, esse espaço imenso por onde adejam um sem número de imagens, sensações, emoções, memórias dos sentidos e tantos outros indefiníveis fragmentos de vida e individualidade.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Que país este

Que país este que me cheira a mofo, apesar de tanto sol, e a terra lavada por tanto mar. A mofo do que é antigo e se descuida; a mofo do que é novo e nasce já putrefacto. Que terra esta tão cansada dos seus homens.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Fragmentum I

...and above, Orion overcome by the city lights, his famous star-forged belt shrouded in clouds dispersed.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Verba Aliena VI - Os estranhos

Que um desconhecido qualquer me inquiete assim, parece à minha inteligência ora infantil, ora sinistro, ora...literário. Sou, é certo, dos que reparam nos gestos, nas expressões, nos perfis das pessoas que passam. É certo que já várias criaturas desconhecidas têm ferido a minha atenção dum modo anormal; e depois passam, nunca mais as vejo, nada me explica as singulares aproximações que entre nós se esboçaram. Penso então se não seriam pessoas que têm as minhas mesmas doenças, ou cujo destino virá mais tarde a cruzar o meu.

José Régio, in Jogo da Cabra Cega

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Spes

Olha, meu amor. Vês ao longe o vulcão que surge para lá do canal, agora que a bruma se retira? Não o vês, bem sei. Mas vê-lo-ás em breve. Contemplarás o Olimpo atlântico, e conhecerás os seus numina. Ouvi-los-ás murmurar nos ventos roçando tanto verde e na onda que rebenta nas costas negras. E levar-te-ei à cratera adormecida onde escutarás o silêncio do mundo, longe dos homens. Só então saberás quem sou e o nosso amor se cumprirá enfim.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Enough

I move in time with your promising eyes
I embrace the dreaming
But time to time I beach myself on the shores
Of desperation
Still I’m pregnant with hope, and I’m saintly with faith
Cos you got me breathing,
There’s no limitation for those who have love
It goes beyond believing
But if I don’t insist, I might drown, and miss the completion
I’ve walked alone for too long on my own to have bliss,
Escape me….
I hold your love,
But is that enough?
I covet him, like a child and a wish
While these wounds are weeping
And I close my eyes, and he’s there by my side
But I cannot be held in the arms of a ghost
But if I don’t insist, I might drown, and miss the completion
I’ve walked alone for too long on my own to have bliss,
Escape me….
I hold your love,
But is that enough?

Carla Werner