sábado, 27 de dezembro de 2008

Ilhéus II

São quatro muros lívidos de mármore
Encarcerando a alma sob um céu vazio.

São na cidade os contornos de betão defuntos,
Nas ruas que o Belo há muito desertou.

São os espinhos da coroa de um amor insatisfeito
Que nada redimem e tudo corrompem.

É a bruma que esconde todos os horizontes.

É o que nos mata antes da Morte.

É a solidão.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Amhrán

Once i heard of a song. They say it was old, that the music was the wind blowing on rocky shores and the voice was uttered by the first man, still in the Earth's womb, crying bitterly for he knew the time had come to part from his mother.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Fora a cidade, dentro a ilha

Estremunhado das páginas de um livro, desço por fim do monstro metálico, que segue rugindo detestável. E dentro o silêncio da ilha. O ar fresco da noite não me reconforta, fétido da podridão da cidade caótica. E dentro o aroma húmido de mar e bruma, da terra túmida de fertilidade vulcânica. Ferem-me os contornos inestéticos das arestas de betão. E dentro desenha-se o vulcão ao longe para lá do canal, a lua santificando o seu cume. Fora o corpo languesce na cidade. E dentro correm as lágrimas da minha insularidade.


(o itálico neste texto não corresponde a palavras de outrem.)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

An t-aisling

Não os conheço. A ela vira-a antes, no sonho. Dizia-me com serenidade que morreria em breve, e pareceu-me que sorria levemente ao afirmá-lo. Era o cansaço. Estava na altura. E como num filme, saltei de cena. Já morria, sentada nas escadas. Olhava-me agora num misto de paz e aflição. Talvez não porque tivesse medo, mas porque não podia evitar o último estertor da vida que quer continuar, mesmo quando a exaustão do corpo e da alma reclamam o fim. No meu colo chorava uma criança. Eram familiares. Não os conhecia, mas sentia uma profunda tristeza. Suspeito até que chorava e gemia no meu sono. E com um último olhar terno, proferiu um derradeiro adeus, interrompido pela morte. Morreu. E a criança chorava, no meu colo. Não sei quem era.