domingo, 12 de dezembro de 2010

Ilhéus XV

Caiu-me em rajadas o vento das mãos
E fez restolhar faias nos teus cabelos.

Desfez-se-me a pele em aguaceiro
E humedeceu musgo no teu peito.

Cuspi a montanha negra do coração
Para se erguer ilha nos teus olhos.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ilhéus XIV - Cormac



Três vezes buscou Cormac no mar um ermo;
E três vezes embarcou Cormac em vão.

Quantos homens buscam na lonjura
O que dentro de si logo encontrariam!

No olho da tempestade


Passamos através da tormenta,
Os nossos corpos exsudando
Os licores da dor e do prazer,
Tão firmes de enlevos volúveis.

E eis que quando se faz chão
o mar na calmaria, vacilamos
periclitantes, sob o céu morno
do olho da tempestade.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ilhéus XIII - Quadro outonal

Onírica se desenha a montanha ígnea, sob o filtro da luz outonal como véu sobrenatural separando os homens dos deuses, que parecem ocultar-se além do veio platinado do mar; e a sua plácida divindade contém a custo nas entranhas a sua violência demiurga.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

De lassitudine

Do cansaço já não sei
Os princípios nem os fins
Dos dias sempre os mesmos
Sei apenas a ausência de ti
espreitando nas ruas vãs
duma cidade indiferente.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Fragmentum XVII - Rivendell

I saw you by the water at Rivendell. Through the leaves, beams of light danced with your locks of copper and gold, under the elves' playful chants. Were you singing too?

If only i could love you a day without time in the halls of the Last Homely House.

sábado, 18 de setembro de 2010

Verba Aliena XII - Sono abismado


Le Gouffre

Pascal avait son gouffre, avec lui se mouvant.
- Hélas! tout est abîme, - action, désir, rêve,
Parole! et sur mon poil qui tout droit se relève
Mainte fois de la Peur je sens passer le vent.

En haut, en bas, partout, la profondeur, la grève,
Le silence, l'espace affreux et captivant...

Sur le fond de mes nuits Dieu de son doigt savant
Dessine un cauchemar multiforme et sans trêve.

J'ai peur du sommeil comme on a peur d'un grand trou,
Tout plein de vague horreur, menant on ne sait où;
Je ne vois qu'infini par toutes les fenêtres,

Et mon esprit, toujours du vertige hanté,
Jalouse du néant l'insensibilité.
- Ah! ne jamais sortir des Nombres et des Êtres!

Charles Baudelaire

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Vem

Vem pousar sobre os olhos inquietos
Como beijos que lhes desses, ligeiros;

Agitar-me em correntes de divindade branda
Como um olhar que me lançasses, doce abismo.

E, cobrindo-me do manto alvo da pele,
Alhear-me desta lonjura nédia de nada.

sábado, 4 de setembro de 2010

Fragmento XVI

Por entre este asco de superfície postiça, rebrilha a pura água do teu olhar perdido em profundidade.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Foram dias

Foram dias deslocados do tempo. Nas ilhas o tempo escorre por outros sulcos, abre-se por vezes num mar, fluindo ao sabor de uma maré indiferente. Foram dias de uma felicidade que não encontrou palavras, dispensou-as, aliás. Talvez seja isso; talvez as palavras só existam na infelicidade, na apatia, na necessidade de nos agarrarmos a um felicidade insatisfeita. Agora que o tempo voltou a perseguir-me nas ruas de Lisboa, emergem como uma visão, um indefinido sonho ledo, aqueles dias.

sábado, 3 de julho de 2010

Ilhéus XII

Cismo no vulcão
verso negro gravado
por um deus na paisagem.
Poeta de indizível matéria!

Cismo em mim
verso complexo tecido
por ignoto artesão
de sentidos sem palavras.

domingo, 6 de junho de 2010

O cansaço do escriba


Sínim mo phenn mbecc mbróenach
tar óenach lebor lígoll
cen scor fri selba ségonn,
dían mo chrob ón scríbonn.

Excerto de poema irlandês do século XI


Tentativa de tradução:

Estendo o meu pequeno cálamo humedecido
sobre o local de encontro de belos livros;
sem pausa para as possessões de mestres,
tão cansada de escrever, a minha mão.

sábado, 29 de maio de 2010

Idiomas imaginados

Ali semeado, o sangue
corre-lhe em vocábulos
Intensificado, no estertor
de qualquer coisa no
âmago, contra a paisagem
negra de areia jovem:
como se ali frutificasse
numa profusão de idiomas
imaginados em fonemas
vibráteis de quebranto.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Nihil noui condi potest

Nihil noui condi potest: tudo é variação do pré-existente.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Telémaco

- Agora é noite perdida de medo azul e longe intenso...

Mário de Sá-Carneiro


Desceu a deusa a visitar-me
Travestida em Solidão glauca.

Degustava-me o coração, dizia:
- Ainda vive a tua Alma, retida
no Oceano por nove ninfas ciumosas.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Poema nemesiano incompleto aut Poema nemesiano sem solução

Sei-me bicho estarrecido no negrume
de uma furna de Nemésio (...)

Onde houve lava, arrefeceu num colapso
de vazio (...)

Lambo do musgo a humidade condensada
dos meus dias (...)

Por onde a luz se esgueira espreito
o Tempo que não há cá dentro e
(...)
evolou-se a morte num grito sinistro
de cagarro (...)

Sei-me homem enfraquecido
Numa cidade que já morreu.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Renúncia

A noite traz-me versos em desassossego,
Esvoaçando por aqui num tumulto cego:
A mim que não sou poeta!

Recuso, excomungo, abjuro!
Derrotados uns dispersam,
Outros vencem irredutíveis
A minha mão forçada contra papel.

E sempre a inquietante evidência:
É em mim que a noite os colhe!

sábado, 24 de abril de 2010

O lastro

A cabeça enterrava-se na almofada à semelhança de um lastro. Era como se todo o corpo estivesse submetido a uma improvável gravidade horizontal, que o compelia a despenhar-se sobre as faces atormentadas. Sob as pálpebras serpenteavam medos de sempre, cruelmente comandados por um sentimento de incapacidade que o arrastava para o desespero numa lentidão precipitada. Fora, a luminosidade insalubre da cidade invadia o quarto: violentava a noite e a morte que procuravam em vão um descanso de trevas. Foi então que a luz lhe matou a esperança. E ele, por sua vez, pediu ao sono que o matasse.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Ilhéus XI - Deixei-te

Deixei-te de pés enterrados na areia negra,
Sentias na pele o mar novo tépido das ilhas.
Deixei-te estendido no basalto aquecido ao
sol e sobre o esfagno da caldeira e aquele
silêncio de ausência das coisas dos homens.
Deixei-te no ponto mais alto, na vulcânica
desolação em que te roubei um beijo que
me deste com o hálito sulfúreo da Terra
e nele o murmúrio Agora sabes quem Sou.

domingo, 18 de abril de 2010

Fragmentum XV - in manibus pectoreque

Nas mãos a plenitude de um corpo silente, morno, e no peito a ânsia por uma improvável absorção.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Ilhéus X - Há na cidade uma ilha

Há na cidade um mar que a submerge,
mar profundo de azul insular.

Há urze e faias nos prédios
em metamorfose e no ar
o cheiro a terra húmida
e negra, fértil de enxofre.

Há em Lisboa uma ilha,
quando acordado esqueço a cidade.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Querem-me homem

Querem-me homem inventado
Com sonhos que nunca sonharei.

Querem-me homem falsificado
Por desejos que em mim não ardem.

segunda-feira, 22 de março de 2010

flexo in uesperam die

morre-me o sangue
e a vontade dissolvida
nas horas histriónicas
incolores do crespúsculo
troçando de um sono
que nunca chegou.

sábado, 20 de março de 2010

Previsão meteorológica

De teus olhos atmosféricos
se despenham a saraiva
que me perfura o espírito
e a eléctrica descarga
que de novo o traz à vida.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Choices

Is there in me a desire for a life of toil at sea, or rather for the comfort of a safe shore? I might become weary and overwhelmed by the endlessness of the great blue. Nevertheless safe shores are nothing but temporary, as we sit there gazing at the horizon, our hearts longing for the salty vastness. There shall always be gales that try our will, leading us astray; and isn’t it all about getting back on the right route after overcoming the storm and sail under soothed skies? For in the end of all things, only the watery god shall endure. And so shall true love.

sábado, 6 de março de 2010

Fragmentum XIV

Derramávamos em sobressalto o nosso desejo fremente, numa avidez de fruto proibido; e o cumprir-se do encontro dos nossos corpos apenas imaginado.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mots d'autrui VII - O resgate do Homem

La Rançon

L'homme a, pour payer sa rançon,
Deux champs au tuf profond et riche,
Qu'il faut qu'il remue et défriche
Avec le fer de la raison;

Pour obtenir la moindre rose,
Pour extorquer quelques épis,
Des pleurs salés de son front gris
Sans cesse il faut qu'il les arrose.

L'un est l'Art, et l'autre l'Amour.
- Pour rendre le juge propice,
Lorsque de la stricte justice
Paraîtra le terrible jour,

Il faudra lui montrer des granges
Pleines de moissons, et des fleurs
Dont les formes et les couleurs
Gagnent le suffrage des Anges.


Baudelaire

terça-feira, 2 de março de 2010

Fragmentum XIII

(...) cada silêncio criminoso em nós é uma garra que nos martiriza as entranhas: somos vítimas de nós mesmos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Fragmentum XII

À force de trop s'aimer, on a souvent envie de se quitter.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Verba aliena XI - Do conhecimento de Deus


If we cannot comprehend God in his visible works, how then in his inconceivable thoughts, that call the works into being? If we cannot understand him in his objective creatures, how then in his substantive moods and phases of creation?

Edgar Allan Poe, in The Imp of the Perverse.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Here he comes again

Here
He comes
Again.
The Other,
Entangled
In his cold
Threads of
Loneliness.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Bicho assustado

Sentia a solidão alastrar como um cancro e, em cada órgão, em cada tecido e em cada célula, um pedaço de alma marcescente repugnava a enganadora perfeição das arestas geométricas que me violentavam o olhar, desprovidas de humanidade; porque a humanidade está na desordem aparente de um bosque, na aspereza de uma falésia e na violência do mar que a hostiliza, na assimetria de um pôr-do-sol, enfim, na perfeita harmonia de imperfeições. E eu, bicho assustado, recuo ao derradeiro buraco em mim onde a carne ainda palpita quente e húmida.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Onde a cidade é triste I - Hortas de Benfica

Como me dão asco as pequenas hortas de Benfica, onde couves e alfaces crescem em tumor por entre ruínas de plástico e latão. Só um prado verdejante me comove, na sua espera agonizante pelo derradeiro golpe que o betão lhe virá desferir.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Fragmentum XI

Enquanto se esforçava por abrir as portas da mente ao cansaço do corpo, para que, por fim, o sono lhe viesse saquear os salões em desordem, interrogava-se se ser louco era aquilo de neles ouvir pássaros chilreando e os gritos estridentes de melros evolando-se.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Verba aliena X - A Furna

Debruço-me comigo no meu poço
- Tudo fundo sonoro e emparedado -
E, rente aos tampos, ouço, ouço
Meu coração aproximado.

Mas de ouvi-o sou pálido e sem pulso:
Meu sangue foi preciso para ouvidos
E bate os mares e a terra, avulso
Nos próprios glóbulos perdidos.

Quem deseje saber o que se escuta
Nesta parede intolerável,
Veja se cabe em minha gruta:
Impenetrável! Impenetrável!

Que frios só seu chão calcaram
E sua abóbada sou eu
Nas tarde em que me levaram
Os meus amores o que era meu.

E já seu eco é uma humidade,
Leve chorume do escuro
Que se aprofunda em saudade
E em minha carne se faz muro.

Só luz dos musgos me distrai
Os olhos das naves frias
Na furna imensa em que se esvai
O fio de água dos meus dias.

Tão aflorada e tão profunda,
Tão bela no pedraço e na leveza,
Tão forte nas marés de que se inunda,
Aberta ao mar e à lua acesa!

Seus corredores complicam-me na sombra,
Um dedal de silêncio abre uma pedra,
Rorejam gotas para alfombra
Do vácuo de alma que lá medra.

De líquenes veste o sonho a aurora
Que dificulta o poço poço;
A lágrima enche de hora a hora
O copo ao menino e moço.

Mas estrias de lava, quem lhe entende,
Se ali riscou fogo vermelho
Alto sinal que só acende
Meu coração, palheiro velho?

E estalactites, estalagmites,
Correspondências aguçadas,
Enxofre, bafio, pirites,
Homens fugidos, mulheres choradas.

Vai o escuro furando o poço ardente,
Ouvem-se no oco as águas:
Ah, que barulho frio e imoto
Enruga a minha vida quente,
O meu secreto lençol de águas
Em que, nenúfar, bebo e broto!
A furna trava de mistério:
Sua garganta aberta ao dia
Calou o íntimo minério
Da minha estreme poesia.

Cala-o para que eu próprio vá batendo,
Dos martelos comuns abandonado,
O possível no opaco de atro urdume:
Que eu levo fogo pegado
E ninguém me pega lume.

Mas, se ardido por mim, me devo só,
A escravidão que tenho ei-la diuturna:
É estar aqui, de ouvido impresso em pó,
A ouvir-me velho ouvindo a furna.

Vitorino Nemésio

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Ilhéus IX - Insula beati

Brancas as terras, ao de leve tingidas
pelos laivos róseos de um amanhecer.
Para o mar sopram elísias brisas
das colinas delicadas e os vales
apetecem jardins de delícias.

Ilha! que de mim fazes bem-aventurado!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Fragmentum azoricum

fletus omnes, quos maerentes oculi mei fundere nequeunt, nubes ter pluuit custodiens insulas nouem.