terça-feira, 18 de novembro de 2008
Horizonte em sangue
Acordávamos cedo, demasiado cedo. A todos, o sono ainda nos agarrava aos colchões dos beliches, que começavam a arrefecer privados das únicas fontes de calor naquelas manhãs frescas de Verão. Mas contra ele lutava a vontade de, dia após dia, mergulhar em três mil anos de passado. Três mil, se os conto bem. Atravessávamos então a vila, onde a noite ainda teimava em ficar, deixando-se penetrar a custo por uma luminosidade tímida. Era sempre a subir e, nas ruas estreitas, já algumas mulheres esfregavam religiosamente as paredes de suas casas, como se a vida dependesse do branco irrepreensível que, avançando o dia, refulgiria sob o sol alentejano. Até que, virando um esquina, encontrávamo-nos face à grande escadaria que levava à ermida. Na memória falta-me o nome, mas sei que era branca do branco das casas, e um azul celeste pintava-a em redor. As traseiras davam para a escavação - um Deus orgulhoso não olha de frente os seus antecessores sem nome, dormindo esquecidos dos homens sob a terra que desconhece o oblívio. Sentados nas pedras sobremaneira antigas, esperávamos que o dia viesse permitir-nos o trabalho. Quando o fazia, o Sol erguia-se em ferida, derramando sangue no horizonte, tingindo-o de um encarnado tão intenso, que a sua aparência sobrenatural gravou no meu espírito as palavras que aqui escrevo decorrido mais de um ano desde então.
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3 comentários:
Dá vontade de assistir a tudo isso!
Lindo...
Que belo aquilo que dizes!
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