sábado, 31 de março de 2007

As palavras

Inopinadamente, as palavras soltaram-se do coração. Ascenderam aladas à garganta - como ascende o magma na chaminé de um vulcão, ameaçando a erupção improvável. Dei-me conta delas a tempo. Encheram-me a boca. Invadiram-me o espírito. Vibração. Tão cedo. Mas cerrei os lábios com firmeza. E tu viste-me o esforço. Perguntaste o que tinha eu. Nada. Não tenho nada. Mas tinha. E tenho. Mas não ali. Não queria que fosse naquele lugar. É que nem te podia tocar. Nem me podia dissolver nos teus braços, perder-me nos teus lábios. Nasceram por fim. Esperava-as ansiosamente. Mas tinham de brotar por si, independentes da minha vontade consciente. E assim foi. Plenitude. E agora estão lá. À tua espera. À nossa espera.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Afogar-me

É doce, mas não um lago. Eu não sou de lagos. Sou do Mar. É pois salgado. Mas salgado de um mar colado à rocha negra. Imagem familiar, cara. Mas podia ser um lago. Nunca é tarde para amar um lago. E há também o verde. E o azul. Exaltados pela brisa suave de um fim de tarde primaveril. E as águas paradas. Lago ou mar, que importa? Animadas por correntes profundas, tépidas. Afogar-me sem luta.

terça-feira, 27 de março de 2007

L'intermittence

bien peu son absolus, au moins d'une façon continue, dans cette âme humaine dont une des lois, fortifiée par les afflux inopinés de souvenirs différents, est l'intermittence

Marcel Proust, À l'ombre des jeunes filles en fleurs

domingo, 25 de março de 2007

Viae ad te

São verdes, de uma beleza quase vulcânica, os caminhos que me levam ao vale onde me esperas. Encho o peito de paisagens que prenunciam o paraíso dos teus braços.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Last message to a dark orchid

Hard to believe as it may seem when sorrow bathes your soul, you'll find a new soil to feed the colours within you. Thrust your head back, open your mouth. Swallow a newborn light, just let it in, despite the cloudiest sky. And then your soft coal-black petals shall recall how to shine again.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Du corps à l'âme

A mão percorre o corpo. Vigorosa, intensamente. Quase como se pretendesse penetrar a pele. Pressiona, reconhece. Hesita ao aflorar uma imperfeição. Estuda-a. E depois ama-a. Apenas mais uma cor para o quadro final, perfeito de imperfeições. A mão transpira paixão. Serena. Na pele todos os poros se dilatam. Ânsia de receber. Transfusão mútua. No prazer da descoberta dois lábios procuram-se, completam a comunhão.
Onde em nós aquilo que aceita apenas um outro "eu" entre tantos possíveis, rejeitando com náusea todos os restantes? O que o justifica?

E assim sinto-o crescer em mim. Evolução. Não falta muito para extravasar. E, nesse momento, transfigurar-se-á em palavras que te direi. Mas não ainda. Um dia.

domingo, 18 de março de 2007

La paix retrouvée

Respirei fundo. Entraste-me pelas narinas. Um novo país condensou-se-me nos pulmões. Conquistou o coração. Sem guerra. E a paz de um tempo diluído, como se pudéssemos ficar assim para sempre.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Réponse

Et je dépose le mien dans tes mains. Je sais que tu sauras prendre bien soin de lui. Je crois en toi.

E essa luz de que falas. Sabes tu que também me ilumina? Como um sol nascido entre os meus olhos e os teus.

domingo, 11 de março de 2007

Et l'on n'y peut rien

Olhas-me e eu reconheço-te. Tocas-me e a minha pele não te rejeita. Tão cheio o espaço entre nós. E então sei que sou em ti.

sábado, 10 de março de 2007

Recantos IV - Ailleurs


Ireland's Eye seen from Howth