sexta-feira, 13 de junho de 2008

Verba aliena III - O afogado

Quem vestisse escafandro de ir ao fundo de almas, e mergulhasse na dele, veria pólipos de dor ramificando-a, tentáculos verdascando-a, peixes-agulha cravando-a; e dentre tal fundo de marinha angústia, estilhaços de cristais de Boémia por onde deuses malinos bebessem o sangue de trancadores naufragados, em orgias corsárias. Se o sangue todo cumprisse o mando de seu sofrer, abriria ao coração em estrelas do mar, de cinco pontas, arroxeado correria de vénula para vénula, em cardumes esfiampados de alforrecas, ou em gotas de coralina suspensas lhe erraria nas arteríolas, como se fossem contas dum colar já sem fio...

Vitorino Nemésio, in Terra do Bravo

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