Sentara-me ao seu lado, de alma corroída pela dor da minha decisão. Olhava no vazio, procurando fugir àquele olhar inocente que ainda me fazia vibrar de amor, como naquele primeiro dia em que me sentira fulminado de águas límpidas. Esforçava-me por cerrar as narinas àquele perfume que nunca soube descrever, para que não deitasse por terra todas as muralhas que a custo lograra erguer.
- Estou cansado. Tão cansado.
- Eu sei. Não compreendo. Para ti nunca é suficiente.
- Talvez um dia percebas. Quando sentires que não é suficiente.
- Pois. Talvez. Mas eu amo-te.
- Pergunto-me se saberás mesmo o que é amar. E dói-me. É que te amo tanto.
- Mas então...
- Não o posso fazer sozinho. Não o posso fazer pelos dois. Tem de acabar. De que serve dizeres que me amas, se quando a voz se cala a solidão se instala de novo, e os gestos não são mais que ausência impenetrável, bloco de mármore pálido e frio, contra o qual esbarra o meu grito de necessidade, aquele que implorou amiúde que te entregasses a nós?
- Lá estás tu e as palavras.
- Se pudesses compreender que eu sou estas palavras e todas as outras que para ti são vento estéril, sobretudo quando não agradam ao teu egoísmo. Porque para ti está sempre tudo bem. É por isso que tenho de nos deixar para trás. Porque estou cansado do meu próprio eco. Porque estou fora de ti e tu estás entranhado em mim.
- Tu é que sabes. Não posso fazer nada.
Levantei-me. Ouvir mais seria insuportável. Ficar seria submeter-me a uma morte lenta. E se me morre a alma, que me resta?
Então afastei-me com lágrimas petrificadas na garganta.
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3 comentários:
nice.... very nice indeed. reminds me...
Belo, profundo, intenso. Afinal não podemos mesmo viver além das nossas palavras.
Estava ler o teu texto e pensei que sem querer tinha posto a tocar "le Tunnel d'or" afinal eras tu que tinhas a música no blog :- ) vá lá que sei de mais uma pessoa que conheço e gosta dos Aaron...quanto à questão da morte da nossa alma...apenas te posso dizer que quando isso acontecer à minha o que restará será o pó e nem esse fará de mim uma estátua. Claro que falo também em termos de ficção porque espero que a minha alma seja uma partícula de um todo e quando o meu corpo já não fizer parte dela, talvez aí entenda a verdade oculta de cada um de nós. Porque por mais finais que tenha a ficção, sabemos bem que há sempre um à nossa espera. E porque as tristezas não apagam a dor nem fazem aumentar a alegria, acho que é mesmo ao som dos Aaron que podemos escrever um final, seja lá para o que for. Agora irei dar um salto ao som de “U-Turn” até aos meus vários finais lol…
*Hugs n’ smiles*
Carlos
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