segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Fantasmas

Ao rever estas paisagens, estes sons, estes odores, fantasmas de um passado que, não deixando de o ser, continua tão presente, tento recuperar aquele que já não sou. Ele faz parte de mim, mas tornei-me mais do que aquilo que ele representa.
Nunca deixamos de ser o que fomos. Na verdade, apenas nos expandimos a cada dia que passa. Em consequência, cada parte que nos constitui desempenha um papel cada vez mais atenuado, em detrimento das nossas aquisições mais recentes e mais pertinentes para o momento presente em que nos situamos.
É imensa a nostalgia que me assola quando, em contacto com os elementos que, num determinado momento passado, contribuiram tanto para fazer de mim quem eu era (e sou), pareço reviver por instantes estados de espírito de outrora. Sinto alguma tristeza por ter perdido de certa forma aquele que era. Sei que ele vive em mim, mas demasiado profundamente e demasiado rebelde para que eu possa imobilizá-lo e impedir se esquive. Quando sinto necessidade de o reviver tenho de o atrair, de o fazer ascender da escuridão em que se instalou. A única forma de o fazer é regressar aos lugares do mundo físico que ele habitou, inalar os aromas que o alimentavam, contemplar o que o comovia, ouvir o que o transportava. Assim, engodado, ele volta a apoderar-se de mim, não exactamente como antes, mas quase.
Este arrepio que sinto é a vertigem de mergulhar no passado com os pés bem firmes no solo presente.
É assim regressar à terra que me viu nascer e que me corre nas veias. Raíz profunda que sempre suportará os ramos novos que continuarão a nascer até ao fim dos meus dias.

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